terça-feira, 13 de maio de 2008

All my loving (part I)

Apertava as mãozinhas uma contra a outra, numa briga muito infantil. Era gostoso observá-la. Para quem ela rezava?
Acompanhei tudo muito de perto, às vezes achava até que ela percebia meus suspiros altos de admiração, ou um arrepio na nuca. Sei que sabia que eu a observava. Tudo começou quando ela se viu sozinha no mundo. E isso não demorou muito. Tinha dez anos e pouca maturidade. Tinha pai, mãe e uns irmãos também, e era só. A comida era muita. Os amigos poucos. Mas brincava como uma criança normal pra disfarçar seus gostos diferenciados. Ela queria mesmo escrever. Escrever e escrever. Sua mãe achava tudo aquilo muito... bonitinho. Uma criança poetizando cemitérios e fantasmas era realmente bonito a meu ver. Para a mãe eram só umas palavras mortas num papel. A menina morreu ali e mais um pouco acolá. Eu ainda lembro dos seus gemidos baixos, ela tinha medo de demônios, não queria acordar nenhum. Porém acordou. Não que eu seja um. mas para alguns eu sou. Alguns têm mais medo de mim do que deveriam. Eu, única certeza óbvia de qualquer ser vivente. Tenho até evitado usar capuz ou cajado, primeiras impressões são determinantes. É assim que vocês vêem tudo. Mas esta menina não, ela não tinha medo de mim. acho até que gostava de minha companhia. Por vezes, ouvi ela pedir a Deus para minha chegada ser breve e não dolorosa. Isso aconteceu muitas vezes no ano de 2000. Até ela criar uns quinze anos e tentar amar. Morreu mais um pouco. O mundo era grande demais para ela. Ou ela era muito imensa para o mundo. Sua singularidade era visível. Não, não era. Ninguém a via. Todos achavam algo sobre ela. Ela não se importava em mudar a opinião deles. Eles sempre estavam errados. Nem minha opinião importava. Eu sempre estive certa de que estava certa.
Esta noite ela estava sublime, tinha um ar de novidade na face e as lagrimas comunais nos olhos. Ela falava mais uma vez a ELE: “tenho muita dor. Você se importa? Porque eu não me importo se você se importar”.
Ela percebeu. Todos rezam á Ele. Ele sempre fica mudo. Comigo nunca foi diferente. Muitas vezes ao carregar crianças de dolência aguda (as embalo em meu seio) peço a ele qualquer tipo de piedade de minha alma. Fico horas sem conseguir sorrir. Fico até me sentindo meio mal. Aquelas alminhas tão puras...
Ócios do oficio.
Neste dia eu rezei ao seu lado, não pisquei uma só vez, a quis pra mim, prometi carregar sua alma em meu seio também, mas ela era só dor. já estava morta. Injuriada e latejante. Sentia todo o peso de sua dor preso aos fios finos de seus cabelos. A dor dela era tão grande que ela nem sentia mais os lábios falarem asneiras a Ele. A dor não a pertencia. Ela pertencia à dor. Desde então, fiquei mais obcecada por seus cachos. Mas Ele também não me dava ouvidos. Nem Ele nem a pequena.


Delírio

Um comentário:

coletivobco disse...
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